Urubu Cultural

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quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Viagens da pantera

A pantera adorava viajar depressa, como adorava viajar devagar, a sonhar, a divagar. Certo dia, quando era uma gorda com caspa foi avistada a jogar à carta com dois velhos numa venda, sem venda, à venda. «Por amor de Deus.» disse ela, «Deixem-me da mão seus paparazzis dum cabrão», a partir daí nunca mais apareceu em revistas do social, ponto final. Teve um grande desgosto que lhe valeu uma depressão e uma ida ao hospital central do barlavento Algarvio, muito sadio. Foi alimentada só com bolos de doce-fino e bebia amarguinha, que é assim que se tratam as depressões no Algarve, terra muito bonita por sinal; nos casos mais graves administra-se aguardente de medronho, mas isto só a doentes crónicos, que padecem de muitas dores.
A pantera tinha sobretudo dor-de-alma, por ver ao que, a humanidade estava entregue, como caminhava mortalmente para o seu inevitável fim. Era triste de facto, mas resignada como era, nada fez nem nada podia fazer. Certo dia foi aos espíritas, saber se o seu caso tinha solução. Foi atendida por uma velhota muito simpática, que a chorar lhe disse assim:
- Minha filha, tens o Diabo Carlos no corpo...
Impávida e serena, a pantera dirigiu-se ao ministério da educação, onde exigiu que lhe fossem servidas cabeças de peixe em salva de prata. No referido ministério, toda a gente se agarrou uns aos outros e choraram até desvendarem este mistério. Panaceia estranha, para quem anseia um pouco de calma na vida, sem vida.
Era triste vê-la assim deitada no capim a gemer, sem sofrer, quase em coma alcoólico. Quem lhe valeu foi o seu amigo Zé Boga, que a levou a um instituto de recuperação, em que todos os médicos eram cegos de nascença, sem parecença entre si, sem qualquer grau de parentesco que lhes valesse, e impedisse as tentativas de suicídio por demais frequentes.
Eram cegos também para evitar que reconhecessem antigas figuras, e mesmo as recentes, do meio social.
A pantera nunca recuperou totalmente as faculdades, e passou a depender de terceiros.

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