Urubu Cultural

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quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Julgamento Divino

O tribunal estava à pinha, podia-se afirmar, com uma margem pequeníssima de erro, que era o julgamento do ano. Para além dos espectadores, a tribuna da comunicação social também estava lotada, não cabia nem um ovo.
Toda a gente tagarelava, mesmo após a entrada do réu, o burburinho não cessou.
O banzé só conheceu acalmia notável, com a entrada do doutor José Luís Moreira, juiz da quinta vara do tribunal da Vazão. Toda a gente silenciou, acto contínuo, se levantou. Após ordem do juiz, toda a turba se sentou, e o tribunal pareceu invadido por um silêncio tumular:
- Levante-se o réu! – exclamou o meirinho.
Este permaneceu imóvel:
- Levante-se o réu, ou incorre no delito acrescido de desrespeito ao tribunal.
O juiz, amofinado, fitou o réu, com um olhar bestial, que o fez por fim dizer:
- Se os senhores pretendem que eu me erga da cadeira, na qualidade por vós imposta de réu, alego que o não farei, por não reconhecer qualquer autoridade ao órgão constituído.
O juiz martelou furiosamente e sentenciou:
- Para além dos crimes por si cometidos, será também julgado por desrespeito ao tribunal, tenho dito!
O meirinho, começou por relatar, os crimes do arguido:
- Atropelamento e fuga, com veículo automóvel, numa passadeira, seguido de fuga do local do crime, sem prestar auxílio à vítima, acrescidos estes, de desrespeito ao tribunal, como foi determinado pelo doutor juiz...
Interrompendo o oficial de justiça, o réu ergueu-se e bradou:
- Este tribunal de burgueses, para burgueses, com leis burguesas, é uma fantochada. Tem como objectivo não a justiça, mas a manutenção da actual ordem social, repressora da maioria trabalhadora, o proletariado...
- Basta! – exclamou o juiz, já irado.
- Ou o senhor se cala, com essas asneiras, ou incorre na possibilidade de ser acrescentado ao seu rol de crimes, o de desrespeito agravado ao tribunal. O réu tornou a se sentar, cruzando os braços:
- Tem a palavra o senhor advogado de acusação.
Após aturada exposição do advogado de acusação, que representava a família da vítima, uma idosa de oitenta e quatro anos de idade, o réu bradou:
- Estou a ser julgado por um tribunal falsificado, e ainda para mais, de ter, sem querer, e friso o sem querer, atropelado uma velha, que já estava com os pés para a cova...
Ouviram-se novas pancadas, que ecoaram por toda a sala, o juiz martelava furiosamente:
- Registe-se, para efeitos futuros, que à acusação do réu, será acrescentado o delito de, desrespeito agravado ao tribunal. Tem a palavra o senhor advogado do arguido Jeová!
- Antes de começar a exposição, da defesa do meu cliente, tenho a declarar, que o mesmo se declara inocente...
- Inocente! – exclamou o doutor Peres, advogado de acusação – Depois de o réu ter declarado, que tinha atropelado, a familiar dos meus clientes...
- Protesto! – interpôs o doutor Gonzaga, advogado oficioso do réu Jeová.
- Deferido – decisão esta que indispôs o doutor Peres – Doutor Gonzaga, faça favor de continuar a exposição da defesa.
- Obrigado, doutor juiz, faça-se entrar a primeira testemunha de Jeová.
Penetrou na sala de audiências uma idosa, que se foi sentar à esquerda do juiz. O doutor Gonzaga prosseguiu:
- Dona Dolores, viu o senhor Jeová cometer algum dos crimes, dos quais foi acusado, excluindo, obviamente, o de desrespeito agravado ao tribunal?
- Não, senhor doutor, não vi.
- Pode retirar-se, muito obrigado.
A dona Dolores retirou-se, com uma ligeira vénia a Jeová, à que este retribuiu um esgar sorridente. Enquanto isso, já o doutor Gonzaga fazia entrar nova testemunha de Jeová:
- Dona Albertina, é capaz de afirmar, sob juramento, que viu o réu cometer algum dos crimes, de que é aqui acusado, exceptuando o de desrespeito agravado ao tribunal?
- Não senhor, senhor doutor!
Após consentimento do juiz, a testemunha retirou-se, nos mesmos propósitos que a anterior, reverenciando Jeová:
- Faça-se entrar nova testemunha de Jeová....
O doutor Gonzaga, foi de súbito interrompido pelo juiz:
- Doutor Gonzaga, quantas testemunhas de Jeová tem o senhor?
- No último censo que se fez, eram sensivelmente cinco milhões...
Soaram novas marteladas: - Declaro o arguido livre das acusações, pelas quais aqui foi presente, pelas de desrespeito e desrespeito agravado ao tribunal, sentencio que o seu filho seja crucificado.

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