Urubu Cultural

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quarta-feira, 9 de setembro de 2009

O macaco Vienense

O macaco vienense manifesta-se com orgulho frente à minha janela, masturba-se, fixando um ponto nulo no horizonte. Voa sem parar, de um lado para o outro, parasitando, parasitário.
Reflicto incessantemente sobre a erva que cresce sobre a fronteira, e estou a fumar uma cigarrilha, acidentalmente o macaco vienense enfia um dedo no cú e extrai de lá um cagalhão independente, que esfrega na minha janela, sempre fitando o vazio, nunca me olha, porque será?
O cheiro a merda torna-se insuportável; considerando o tipo de alimentação do símio, não é de estranhar. Subitamente o macaco sorri, sem deixar de fixar o ponto vazio na atmosfera, e coça, com veemência os colhões, depois cheira a mão, simula um esgar de imprudência, e bate no vidro incessantemente, freneticamente. O que é que eu faço a este macaco vienense? De repente vai-se embora, vai tomar álcool e falar acerca da prostituição, com veemência, sem dormência.
O macaco finalmente morreu esgotado, de tantas cigarrilhas fumar, só bebia uísque bom, coitadinho do macaco. A sua merda ainda lá está, a secar no vidro da minha janela. Nem me preocupo muito com isso.
De repente, organizamo-nos todos e fazemos um funeral, digno de respeito, ao macaco, com caixão e tudo. Ao princípio, alguns vizinhos mostraram-se renitentes em comprar um caixão, para o macaco, ao fim ao cabo, acabamos todos por financiar um caixão grande, forrado com cetim vermelho. Houve um vizinho que num acesso idêntico ao que matou Elisabete no ano passado, tentou sodomizar. O senhor Elias Santos, foi o único que se opôs a semelhante prática, e disse:
- Aqui neste condomínio, enquanto eu for vivo, ninguém vai ao cú do macaco, senão temos a porra armada, e é aqui um trinta e um do caraças!
Algumas vizinhas, algumas delas núbeis, choraram a morte do macaco vienense, mas eu era o único que tinha a sua merda seca na janela; subitamente, senti-me orgulhoso e, ao mesmo tempo, nostálgico. Belos tempos os que foram, em que o macaco espalhava merda, no vidro da minha sala-de-estar, enquanto recebia visitas e servia chá por todos os convivas. Os seus gemidos e ais, eram vagidos duma criança recém-nascida, que se mata à paulada, logo após a nascença; também o macaco vienense matava à paulada, sem baba.
Sem barba, era também o macaco, a certa altura da sua vida, já tinha a dentição amarela do vício, fumava muitas cigarrilhas Montecristo, que as putas, suas amigas, lhe ofereciam e davam. O café que bebia todos os dias, à mesma hora, também contribuiu em muito, para lhe manchar os dentes. Como era doce, o macaco vienense. Ignorávamos a que espécie pertencia, a minha mãe ainda pôs a hipótese se ser um rhesus, mas todos os restantes vizinhos se opuseram, com veemência, a essa.
Aquando do funeral do macaco vienense, não tinha uns sapatos decentes para levar ao enterro. O padre, a quem encomendamos a missa reparou nisso e, minutos depois do fim da cerimónia religiosa, chamou-se a atenção para o facto. Disse assim, o padre:
- Meu filho, não se vem ao funeral do macaco vienense, sem calçado decente.
Verti logo ali uma lágrima de sangue, que me manchou a gravata de seda.
Pobre macaco vienense! Como me entristeceu saber da sua morte. Curiosamente ninguém levou flores, e nenhuma das prostitutas que ele conhecia desde pequeno, atendeu ao funeral; só lá foi uma de quem ele não gostava particularmente, por ser indecente. Quando a mãe do macaco vienense, recebeu um telegrama, a comunicar a morte do seu filho, chorou durante horas, e depois enforcou-se, veementemente, como a erva que cresce sobre a fronteira. Meses mais tarde, faleceu o padre que tinha dito missa no funeral do macaco vienense, e a vizinha Idalina também. Quando o seu marido soube disso, foi acometido por uma grave depressão, que lhe deixou marcas para o resto da vida, ao que consta, tinha as artérias demasiado espessas, nunca chorou sobre a campa da mulher.
O macaco vienense também pintava quadros por encomenda, e escrevia peças de teatro. Nunca se subverteu pelo mundo da droga, fazendo até, várias denúncias à polícia judiciária, que muito ajudou na detenção de importantes traficantes de drogas psicoactivas, lá do bairro.

Passou-se um ano após a morte do macaco vienense, e as tropas do czar Nicolau II, invadiram Praga e Colónia. Todas as vizinhas do prédio entraram em depressão pós-parto, e nunca mais vi nenhuma pelos cafés da cidade, no período subsequente à ocupação da cidade, pelas tropas inimigas. Graças a deus nosso senhor, todos os soldados respeitaram a campa do macaco vienense. Foi uma vida de sacrifício, a que se seguiu, os géneros passaram a ser racionados, e tinha que esperar duas horas na fila, para conseguir: um quarto de pão e meio litro de leite de vaca. Quase à beira da morte causada pela má nutrição, soube que o macaco vienense ressuscitara, e que vinha espalhar a salvação pela humanidade; dizia-se que era o filho de deus, e que em breve ia morrer crucificado, por todos nós. Demasiado débil, para me levantar da cama, não pude assistir a nada disto, e só graças à telefonia, fui acompanhando alguns factos ocorridos.
O macaco vienense constituiu uma legião de adeptos, a que chamou: os seus apóstolos. Estes tinham como missão, espalhar a boa nova da sua ressurreição, por todo o mundo civilizado.
O macaco vienense, nunca teve a intenção de.
No entanto, e desconhecendo este facto na sua totalidade, corrompeu uma geração inteira com a sua doutrina. A partir daí, a sociedade, em geral, deixou de acreditar nele, e todos os seus apóstolos se enterraram vivos, de vergonha.
Lívido como uma mosca, no meu leito de morte, acabei por morrer completamente. Fui parar ao céu, onde encontrei o macaco vienense, a chorar baba e ranho, de imediato cagou uma diarreia espessa e aromática, que tinha propriedades curativas, quando aplicada correctamente sobre a pele, na forma de um cataplasma.
Chegou também o dia da minha ressurreição na terra; coube-me a mim espalhar também a palavra, e a bondade de deus nosso senhor, chorei lágrimas de sangue tépido. Arrumei as minhas coisas e ressuscitei, veementemente, aparente, como uma miragem. Caminhei sobre as águas, transformei água em vinho, multipliquei os pães, mas mesmo assim, a humanidade não quis aceitar a minha doutrina, em parte graças à nefanda influência que o macaco vienense, anos antes, tinha tido sobre toda uma geração de adolescentes.
A isto sobreveio o Armaguedão e, deus nosso senhor, chorou durante cinco dias, no sexto descansou e não bebeu mais uísque. Eu continuei à deriva pela terra, desta feita, de mão dada com o meu querido macaco vienense, vítima de uma grave trombose, que lhe paralisou todo o lado esquerdo do corpo, só chorava já, até metia dó, coitado; mas a vida é mesmo assim, dura, há que suportá-la com iniquidade total, e não ceder às tentações. Sentamo-nos num rochedo sobranceiro a um lindo ribeiro de água cristalina e diáfana; por esta altura, já o macaco vienense se babava incessantemente, tinha perdido toda a sua coragem, bem como os super-poderes. No dia em que se deixou urinar, desistiu de tudo em que em tempos acreditara com estoicismo veemente. Era uma situação desesperante, pois nenhum asilo aceitaria acolher um macaco vienense, em semelhante estado, não falando na sua galopante má nutrição.
E foi assim que se deu a minha entrada no mundo da droga, injectava tudo o que apanhava, até cheguei a injectar sumol de ananás, tal era o meu estado decadente e desesperado. Não acreditava em curas milagrosas, não tinha qualquer esperança na minha recuperação, era um autêntico farrapo humano, quer física, quer espiritualmente.
Bastante desiludido com o macaco vienense e comigo, deus nosso senhor, enviou à terra novo messias. Chamava-se este Pedro Alberto de Augusto Aguiar, e ao que se conta, conseguia pairar no ar, qual fénix renascida das cinzas. Um dia encontrou-nos à beira de uma encruzilhada, e disse-me:
- Porque choras, meu filho?
- Pelos pecados da humanidade, meu amigo – retorqui, completamente desesperado, e em pânico.
Pedro Alberto de Augusto Aguiar, olhou-me com ar de censura, e seguiu seu caminho.
Entretanto, saiu no jornal que, nossa senhora de Fátima, tinha aparecido a três labregos da Covas da Iria. Fui acometido de suores frios e insónias apoplécticas. Cansado da vida degradante, que então levava, pensei em construir um pequeno negócio de retrosaria e, assim voltar a ser novamente respeitado pela comunidade, a que dantes fazia parte. Sofri já tanto nesta vida, que não queiram saber. Sofri mais do que um homem pode sofrer, em dez vidas que tenha.
Pedro Alberto de Augusto Aguiar, entrementes, fez uns milagres, uns feitiços, qualquer coisa que agora não me lembro, e conseguiu reabilitar o macaco vienense; graças a esse magnífico feito, consegui que as portas do céu se abrissem, novamente, de par em par, permitindo a minha reentrada no mesmo. Deus nosso senhor limitou-se a me saudar, como quem cumprimenta um estranho na rua.
Reabilitado o macaco vienense, chegou-me aos ouvidos que este, tinha começado a beber imperial nos cafés. Toda a gente gostava agora de Pedro Alberto de Augusto Aguiar, porque tinha sido este que curara o macaco vienense.

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