Urubu Cultural

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quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Queixa Crime- Um conto de Páscoa


Era domingo de Páscoa. Por volta das oito e quinze horas da noite, um homem entrou no departamento da polícia judiciária da cidade.
Era alto e magro, de longos cabelos castanho escuro, de farta barba por aparar; envergava um comprido manto acinzentado e chinelos havaianas vermelhos.
A rua estava vazia, uma ou outra pessoa povoava os cafés, de resto tudo calmo e desértico.
O homem entrou no departamento de investigação da PJ, não viu ninguém, aproximou-se do balcão principal, havia uma pequena campainha pousada sobre a bancada.
-Boa noite, está aí alguém?- inquiriu, elevando a voz ligeiramente.
Ao fundo de um corredor, uma voz fez-se ouvir.
-Só um minuto por favor.
Ora muito boa noite, em que posso ajudar?- questionou o simpático inspector da PJ.
-Queria fazer uma queixa crime por favor.
-Com certeza, dê-me só um segundo para procurar os impressos. Aqui estão eles.
Nome por favor?
-Jesus N. Cristo.
-Jesus… N. Cristo- repetiu enquanto apontava os dados do indivíduo no impresso.- N é de quê?
-Nelo.
-Ora então… Jesus Nelo Cristo. Idade?
-Desculpe, mas se não houver problema preferiria que ficasse Jesus N ponto Cristo. Como há-de convir Nelo não é um nome muito credível para um Messias.
-Concordo. E qual é a queixa que o senhor gostaria de apresentar?
-Gostaria de fazer queixa de uns romanos. Capturaram-me, apedrejaram-me, chicotearam-me e não satisfeitos por fim crucificaram-me, pregando-me a uma cruz de madeira.
O inspector parou por momentos, pousou a caneta na bancada, ponderou cautelosamente, fez um breve aceno com a cabeça em tom negativo e concluiu:
-Eu entendo perfeitamente a sua situação e solidarizo-me com o que o senhor passou. A questão é que…
- O que se passa?- interrompeu algo enervado e preocupado.
-Sabe… o problema é que o crime prescreveu.. vai ser muito complicado julgar e condenar os ditos meliantes.
-Mas eu tenho provas do ocorrido, aliás bem vincada na carne. Ora veja.
O homem retirou a túnica, mostrando as costas desnudas, local onde tinha vários indicios de chicotadas.
-Meu caro amigo, vai-me desculpar, mas isso está praticamente cicatrizado.
-Veja os meus pulsos, ainda aqui tenho as marcas dos pregos cravejados…
E aqui, está a ver…- apontando para um sobrolho- …aqui acertaram-me com uma pedrada na testa.
-Eu sei do seu caso, mas como lhe disse as feridas mal se notam, estão praticamente cicatrizadas. E será muito complicado encontrar os romanos que lhe fizeram esse serviço.
-Mas o seu trabalho não é registar a ocorrência e investigar o caso?
- Meu amigo eu já lhe disse que é complicado encontrar romanos nesta cidade. No máximo encontro-lhe ciganos, mas esses não aconselho a fazer queixa, que eles juntam-se muitos e dão-lhe cabo do canastro.
Anda aí uma seita dessa gente, ainda há dias assaltaram um rapazinho muito pequenino e indefeso, roubaram-lhe o telemóvel, coitadito.
-Oh diabo!- exclamou o sr. Cristo.
- Bem pode dizê-lo, isto anda terrível. Mas voltando ao seu caso, já se passaram tantos anos homem, mais de dois mil, não acha que deveria relevar? Afinal você ressuscitou e tudo. Acho que nem é para tanto.
- Quer então dizer que não quer registar a ocorrência e investigar o caso?
- Ó homem, realmente… Pronto, eu já lhe disse que será dificil encontrar e condenar os romanos, mas insiste. Vamos lá a tomar nota.
Quantos homens é que o agrediram?
- Não sei ao certo, eram muitos, uns quinze.
- Que roupas usavam no dia do crime?
- Aaah…- hesitante.-… Armadura, capacetes e espadas. E alguns iam a cavalo.
-Hummm, isso já deve reduzir em muito a lista de suspeitos- ironizou.

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