Urubu Cultural

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sexta-feira, 31 de julho de 2009

Desvio Onírico

  Faltaria sensivelmente um quarto de hora para as nove, encontrava-me sentado numa carteira da escola: escola que há muito terminei, mas onde tive de voltar, por não ter acabado certos trabalhos de casa e exercícios, que deixei pendentes. Continuam sem estar concluídos, e isso me atemoriza, pois a professora cada vez se aproxima mais de mim, e não saberei o que lhe dizer.
Quando chegou a minha vez de lhe entregar os referidos exercícios, como é óbvio, não os tinha, tentei explicar o porquê à professora, mas esta só me disse que saísse da sala de aula, e que no próximo ano tentasse novamente. Assim fiz, enquanto a professora, de pé, atrás da secretária, com uma falsa expressão de indolência, se regozijava com a minha saída.
 Decidi dar uma volta pela escola, a ver se ainda era tudo como dantes, e fui andando dolentemente, ao sabor da memória: os espaços verdes estavam iguais, as mesmas árvores, os canteiros displicentes, os repuxos eternamente avariados; porém, enquanto passeava pelo campo de jogos, notei um pequeno monte de terra, encostado à rede da escola, mesmo no vértice desta, abeirei-me e reparei que enterradas no mesmo monte, estavam moedas antigas: de vinte centavos, dez centavos e também algumas de um escudo, agarrando num pau próximo, comecei a esgaravatar a terra, em busca de mais moedas, partindo do pressuposto que estariam mais no interior do monte. Não me enganei, de facto, à medida que fui avançando para o interior do monte, fui encontrando-as cada vez em maior número, contudo, já as tinha todas na minha colecção, acabando assim por perder o interesse.
 De súbito, uma sensação de vacuidade no estômago, fez-me consultar o relógio, onze horas em ponto, e desde que me levantara, ainda não tinha comido absolutamente nada, sacudi o fato, erigi-me, contemplando o panorama circundante, acabando a minha atenção por recair sobre umas viçosas folhas de parreira, que sombreavam as mais apetecíveis e perfeitas cerejas vermelhas. Prestei-me ao trabalho de circundar toda a vedação que me separava dos desejados pomos, e assim que os alcancei, comecei por provar um: eram realmente tão saborosos quanto o seu aspecto indiciava. Fui percorrendo os intervalos, entre as filas de parreiras, parando aqui e ali, onde me deparava com os mais robustos frutos, os quais colhia e comia; acabei assim por percorrer toda a vinha, até por fim surgir o dono da mesma.
 Para ser sincero, julguei que ia ser atacado, mas o, como vim a saber mais tarde se chamar: senhor Rogério, nada de mais me fez, só querendo comigo dialogar. Para começo de conversa, perguntou-me se tinha fome, respondi-lhe que não, pois tinha ingerido bastantes cerejas e não…, já não tinha fome. Retorquiu o senhor Rogério que, pelo menos um cafezinho tinha que aceitar, e para parecer bem, decidi acompanhá-lo. Retornámos à escola, onde o proprietário da vinha habitava: no segundo andar do bloco B, num recôndito nicho, mais retirado dos olhares alheios; estava lá sua mulher, muito atraente, por sinal, longos cabelos loiros, olhos azuis, envergando apenas um vestido branco de alças, que dava pelos joelhos, das duas bem torneadas pernas. Tinha café num termo de bomba, do qual me ofereceu uma chávena.