Urubu Cultural

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quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Portugal Amaciado

Portugal não é um país pequeno, é um país puro e limpo, como uma manhã orvalhada de primavera ou Março (depois do dia vinte e um, obviamente); de uma qualquer aldeia rural do interior esquecido e ostracizado, em que as vacas mugem ao compasso da nação. Portugal é a tradição de chorar, é declamar ao vento o lamento de treze obras-primas que agora se esboroam com um “ai”. É não se saber bem o que vai cá dentro, realmente. Nesta terra abandonada, as pessoas falavam a rimar. Mas foram tempos bons, que já lá vão, arrastados pelo suão. «É isso mesmo, teve uma brilhante ideia, meu caro, uma ideia assim vale, no mínimo, cinquenta escudos!». Portugal é uma terra de ventos: húmidos, secos, da Galiza, do Magrebe, enfim, não mais sairíamos daqui, com a enumeração de tanto vento (admiremos as bonitas rosas das nossas cartas de marear, em vez...).
Este torrão está firme, bem cravado no chão, no entanto move-se! As enciclopédias dizem-nos que é um país mediterrânico, embora as suas costas, sequer a cara, alguma vez tenham estado próximas deste cálido mar. E este desfasamento geográfico/espacial não é pouco, consultemos Diderot e este dirá que Portugal é o mais velho país da Europa; arrisco mais uma vez: recusa-se a encaixar em tão lacónica definição, e eis que foge para os continentes, Portugal É em todos os continentes, a definição exacta seria essa mesma: Portugal É um país em todos os continentes. E É-o sem arrogância, pois que de onde esteve, sempre trouxe herança.
Rebenta no espaço este país.
O vácuo das paixões provoca a inacção nos sectores mais aritméticos da alma, embora por cá ajamos com calma. Um trovador moderno ensina-nos que muita calma é perigoso, não nos roubem o querer e a direcção, que não seguimos, mas que lépida se avizinha, só pedimos uma última morada, onde escutar o alcióneo grito de uma fada, das que são predadas. Das que cantam, das de cílios encarnados.
Percebamos de uma vez, que desrespeitar o descanso sagrado de um ancião, é uma falta gravíssima, uma ofensa de lesa-pátria, esses mesmos velhos que sempre estiveram, ou permaneceram, sobre as nossas consciências, a suportar quaisquer maledicências. Não sei bem, é uma mistura de odores: especiarias, com tabaco doce, mescla de noz-moscada, cravinho, com roble e alvarinho, algumas frutas tropicais.
(Uma velha acena atrás dum rebanho de cabras, assobia pelo cão castro-laboreiro que corre num desassossego, excitado pelos instintos lupinos. Portugal está cheio de mato-grude. Repleto de estevas em redor dos castros celta-íberos.) Honremos o sangue que nos corre nas veias, corre não se sabe bem em que direcção, mas que sabe bem... sabe! Às vezes sinto que tenho torrentes dentro dos braços, uma fúria verde tinto, que quer rebentar, explodir, as artérias e veias que incha. Amarfanhemos os fatos dos nossos avós, que estão a criar traças no guarda-fato, e cantemos um fado deliberado, uma canção fatal, algo extremamente calculado até ao mais ínfimo pormenor. Finalmente percebi quem somos e para onde vamos! Estava completamente estafado, tinha o encéfalo a latejar, até que descobri isto: “Somos o rancho folclórico marcial”. São pessoas a tocar ferrinhos, adufe, harmónio, castanholas, sanfona, somos gente a tocar isto tudo até já não termos forças, e ressoar apenas uma indestrinçável melopeia, gente desfalecida, que macaqueia os gestos musicais devidos, ao correcto funcionamento dos instrumentos. Apesar de tudo somos honestos, trabalhadores respeitadores da moral, da ética e dos bons-costumes, se isto não for tudo redundante. Gente séria, à espera de dois fantasmas detentores da liberdade e da redenção, um par de espectros purgativos que, esperemos, nos trarão o soma huxleyiano.

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