Incompatibilidades

Era uma vez, há muito tempo atrás, um rancho folclórico de pessoas com trissomia vinte e um que se incompatibilizou com um grupo de cantadores de janeiras composto por cegos e amblíopes.
Entraram em disputa no dia em que o rei Dom Carlos primeiro veio à tourada no enterro sanitário de Porto de Lagos. Ambos os grupos queriam entreter sua alteza real e como não chegaram a um acordo tácito, incompatibilizaram-se.
Isto resultou numa enorme escalada de violência e rivalidade entre os dois grupos musicais. Passou a ser tradição se digladiarem no dia trinta e um de novembro de cada mês do ano. No grupo do rancho reinava uma grande falta de organização, e no dos janeireiros, chamemo-lhes assim, aos cantadores de janeiras para facilitar e simplificar a narração.
Resumindo, no rancho folclórico dos mongolóides, apesar da força que tinham para se digladiar, não havia uma liderança sólida e convincente, enquanto que nos janeireiros, os amblíopes que tocavam os instrumentos orientavam sabiamente o restante grupo, apesar da sua falta de visão, estavam como que equilibrados, quites, como se costuma dizer.
Resultavam destas disputas muitos mortos e feridos, sendo que as hostes de ambos os partidos estavam constantemente em renovação.
Esta carnificina não terminou enquanto não surgiu em cena uma cantora muito boazinha e querida da população, de quem toda a gente gostava e que ajudava os pobrezinhos que viviam com muitas dificuldades.
Foi só com a intervenção de Soraia Jessica Bianca Vanessa Nadine Marlene que esta autêntica barbárie conheceu um fim.
Soraia Jessica Bianca Vanessa Nadine Marlene começou por convocar uma reunião com os líderes rivais, o do rancho folclórico: Bernardo Maria Côrte-Real; e o dos janeireiros: Zé Pedro Silva Freitas. Primeiro obrigou os dois a darem um passou-bem. Se bem que relutantemente, Bernardo Maria Côrte-Real e Zé Pedro Silva Freitas, lá acabaram por se cumprimentar. Soraia Jessica Bianca Vanessa Nadine Marlene começou por dizer:
- Então vocês não têm vergonha de andarem sempre à bulha? Pensem lá nos meninos que em África morrem todos os dias, famélicos, nos refugiados, nos sem-terra brasileiros, nas crianças órfãs...
Bernardo Maria Côrte-Real e Zé Pedro Silva Freitas lá se ajoelharam e rezaram por todos os que no mundo sofriam, e ordenaram, posteriormente aos seus acólitos que o mesmo fizessem.
Entretanto Soraia Jessica Bianca Vanessa Nadine Marlene enamorou-se pelo tocador de ferrinhos do rancho folclórico e partiram pelo mundo em demanda do santo-graal.
Sem a influência desta, os grupos voltaram à rivalidade antiga e as mortes e combates constantes voltaram a ter lugar no enterro sanitário de Porto de Lagos. Que era uma coisa que dava muito jeito e era muito prática, pois os que tombavam em combate eram logo enterrados sanitariamente, sem outras exéquias funerárias; não era preciso padre nem nada, abria-se uma grande vala comum e vá roupa com os mortos lá para dentro.
Com o passar dos anos, e feroz batalha após batalha, as rendições dos combatentes mortos começaram a escassear. Foi quando Soraia Jessica Bianca Vanessa Nadine Marlene retornou com o seu já legítimo marido com quem tinha contraído matrimónio nas ilhas Bahamas, a comer bananas fritas.
Soraia Jessica Bianca Vanessa Nadine Marlene ficou muito desiludida, pois verificava que os seus esforços para reconciliar os grupos rivais tinham sido vãos. Foi de imediato canonizada, nasceram-lhe umas lindas e alvas asas de anjo e subiu ao reino dos céus.
Entendendo Tudo como a substância primeira indivisível, pois que de outro modo tudo seria infinitamente divisível e como tal nada existiria de facto pois se perderia no infinito. A questão é a seguinte: como se originou Tudo? Ou o que originou Tudo? Qual foi o fenómeno primeiro que originou Tudo?
Partindo do princípio que do não-ser não pode surgir o ser, pois auto-anular-se-iam. De algo que não é não pode provir o que é, pois o não-ser não é nada, é o vazio, a ausência da matéria. Qual foi a causa da substância primeira?
Primeira hipótese: Digamos que Deus se originou a si próprio. Hipótese facilmente rebatível, se partirmos do facto de que algo não se pode originar do nada, pois que este é precisamente a ausência de matéria. Deus está num plano acima do nada. Acima do nada está o inconcebível, que ao ser assim denominado deixa de o ser, é o paradoxo eterno que se auto-anula. Deus não existe.
Só podemos assumir a substância primeira sem compreender por ora a sua causa. Temos apenas a certeza de que tudo existe efectivamente, de outro modo desapareceria no infinitamente divisível. E nada existiria de facto. Caso a substância primeira se extinga, voltámos ao nada. Na natureza nada é eterno, tudo tem princípio e fim, ou segundo Lavoisier: na natureza nada se perde, nada se ganha, tudo se transforma. Porém a natureza é composta por matéria. Logo a hipótese de que o nada poderia se ter transformado em tudo também cai por terra, pois o nada não é substante, não-é.
Temos então a substância primeira, ignoramos o que a originou, a partir daí temos a substância indivisível que assume as mais variadas formas e qualidades. O Homem não escapa a esta regra. Todos os seres são substantes. O Homem é um ser. O Homem é substante.