Urubu Cultural

Urubu Cultural

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

A expiação da alma, ou o pecado da luxúria constante



 Depois de muitos séculos de impune perdição, Deus desceu à serra. Aos que o ouviam, a saber: zebras e lagartos, disse deste modo:
- Estejam contentes, minhas criaturas, o vosso Pai está aqui, para vos iluminar.
As zebras começaram a zurrar, sem parar, e os lagartos, a serpentear por ali. Sem outro assunto, Deus, todo-poderoso, retirou-se. Decidiu aparecer, despropositadamente, numa taberna, onde os ocupantes estavam todos escarados, foi um daqueles fenómenos, a que os descrentes apelidam de alucinação em conjunto. Os bêbedos afirmaram, todos em conjunto, porém ordeiramente, (que ser bêbedo não é sinónimo de má-educação) a um jornal local, que tinham visto Deus:
- Então diga-me lá, senhor Fulano Tal, como é Deus? – interrogava o jornalista, a um dos frequentadores assíduos da taberna:
- Senhor repórter, Deus é todo ele calma, paz, e amor, transmite-nos serenidade e vontade de respeitar o próximo, como a nós mesmos...
- E de não cobiçar a mulher do próximo?
- Isso eu já antes não fazia, portanto, não lhe posso ajudar...
Então o jornalista pediu a um alcoólico, que antes cobiçava a mulher do próximo, para avançar, e lhe esclarecer acerca desse tópico. Só um se manifestou:
- Já não cobiço a mulher do próximo, senhoras e senhores!
Todos apludiram, apesar de se ter ficado sem saber, se tinha sido por acção da aparição divina, se por força de vontade do cobiçador.
 Terminado o circo mediático, apeteceu aos bêbedos pão com queijo brie, e tornaram à taberna, onde o dono da tasca ofereceu a todos, inclusive, um entalado de queijo sem bolor. Enquanto comiam e bebiam descansadamente, o divertimento predilecto dos bêbedos, era ouvir a sogra do taberneiro a lavar a pachacha; pois que ao executar esta minuciosa tarefa, a anciã cantava muito alto, por sofrer de incapacidades auditivas.
Quando a velha entoava a primeira nota, os escarados começavam, em coro, a dar vivas, a bater palmas, e a assobiar. Manifestação esta que muito amofinava o dono da tasca.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

A dona Idalina

 Senhor Furtado, marcar as avaliações com a dona Idalina. Quarta-feira, às dez, no ginásio das freiras.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

A desventura de ser quem sou


 Morri antes do tempo. Sem um único lamento que fosse. A loucura precoce encarregou-se disso por mim. Graças a ela, não tive que chafurdar na lama da desgraça própria; não era eu que sofria.
Cenário: Um quarto displicente
Louco: As ideias fixas não me libertam. Sufoco.
Loucura: Vamos lá exonerar essas ideias que acarinhas, esperar a morte.
(o louco concorda, com um aceno positivo de cabeça)
Lá fora: um bairro social, onde as noites se sucedem (onde talvez nunca tenha amanhecido!?). O louco continua deitado, a estrebuchar.
Cenário: Um bosque onde convivem: eucaliptos, roseiras.
Loucura: Conhecerás aqui algum alívio.
Louco: Espero que nunca me proíbas o bosque...
(a loucura sorri sardonicamente, é óbvio que mente)
É numa noite de lua cheia, que a loucura retira o bosque ao louco. Desesperado, este não sabe o que fazer. Corre. Esbraceja desesperado na noite.


quarta-feira, 5 de agosto de 2009

A história do velho cagalhão agarrado ao cú

  Era uma vez um velho que tinha um velho cagalhão, agarrado ao cú. Quem lida com gatos, sabe do que estou a falar, isto é, quando os felinos ingerem demasiado pêlo, por ocasião de quotidianamente lamberem higienicamente o seu manto capitar, ocorre a desagradável ingestão de inúmeros pêlos; ora assim sendo, ou são os mesmos regurgitados pelo gato, ou seguem os trâmites normais, no que respeita à digestão. Detenhamo-nos no segundo caso, apôs o rôlo de pêlo percorrer todo o intestino, eis que chega a hora de ser expelido pelo ânus, como se deve calcular, este forma uma amalgama com o alimento, o que posteriormente vai provocar com que as diversas secções do cagalhão, fiquem unidas solidamente, através de intrincada rede capilar. Sofria do mesmíssimo mal, o pobre velho de que vos fala esta história. Em todas as calças, mandou fazer um buraco nos fundilhos, bem como na roupa interior, não fosse o cagalhão querer finalmente sair, e ficar, involuntariamente, preso na roupa. Quando passava na rua, nós, tapando a boca, sorriamos, pois faz parte de ser criança, achar piada à desgraça dos outros, visto termos a certeza de que não seremos afectados por tais males; um pouco mais tarde na vida perdemos essa certeza, e receamos toda e mais alguma doença; mas enquanto criança não.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

A avó

 Estava à janela da cozinha, com a minha avó materna, víamos os passeantes, e ela sorria de satisfação, pelo simples facto de estar a passar algum tempo com o neto. De repente cegou, e viu o meu pai de carro, momentos antes. Abalou a fugir para a rua, sempre a sorrir. O meu pai, está claro, já lá não estava, e eu tive que ir buscar a minha avó, ao meio da estrada.
 No regresso a casa, quando foi para passar pela varanda, que detinha guardas em metal, deu uma grande cabeçada num varão, mas lá conseguiu se agachar e entrar. Eu morava num primeiro andar, na altura do ocorrido, e a varanda ficava no rés-do-chão.


segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Cadeirinha de rosas

«Olha a menina Rosinha, tão pequenina, em a sua cadeirinha de rosas!» - exclama uma avó babada, acerca se sua netinha querida - «Tão pequenina e já sofre ataques de pânico, de diarreia desconjuntante, que numa tarde, faz com que todas as suas entranhas, caiam aos pedaços na pia; olhem para a minha Rosinha, em a sua cadeirinha de rosas, como se debate com a sua bexiga vigarista, já não sabe quando realmente tem vontade de urinar, por isso, pusemos-lhe uma venda (não a pusemos também à venda, por nenhum pedófilo a querer neste estado, como se a minha Rosinha, em a sua cadeirinha de rosas, não fosse tão boa como qualquer!)
 «O que ela gosta de insónias, deviam ver, senhoras e senhores, a minha Rosinha gosta tanto de ficar acordada toda a noite, a fazer as coisas que faz para se entreter, que certa vez, da sua cadeirinha de rosas, até me disse assim, na sua vozinha querida: «Avózinha, gostava tanto de me chamar Sónia…» Isto é só para verem, como a minha netinha é expedita, e nada vulgar. Sónia Cristina, se não fosse já Rosa, seria Sónia. Cristina, pela certa.»

sábado, 1 de agosto de 2009

Amizade

 Monsenhor Nikodim oscila na sua velha poltrona, de veludo carmesim, decide questionar Omar:
- Se eu lhe pedisse, abraçar-me-ia?
- Com certeza que não.
- Porquê, posso saber?
- Por um acaso, não se apercebeu que essa inconsciente acção, nos granjearia uma… como direi? reputação homossexual, com a qual eu, Omar Santos, não gostaria de ser conotado.
- Oh meu caro, de forma alguma, eu sou o alto bastonário para o: Fim do Preconceito Sexual. Não tema!
E então, Omar tomou nos braços Monsenhor Nikodim, abraçando-se ambos, comovedoramente, como irmãos:
- Oh Omar…, agora que nos abraçamos, e se nos tornássemos irmãos de sangue, hein?
- Concordo, mas o bidé, que é uma palavra muito raramente escrita, está entupido…
- Não me diga, camarada!?
- Vou buscar uma navalha bem afiada, ao faqueiro que jaz no aparador.
E assim sucedeu, Omar foi, e Omar voltou, com o facão de trinchar carnes:
- Dê cá a sua mão, Nikodim. – golpeou-a.
- Doeu?
- De forma alguma. Mas apresse-se, antes que as varejeiras venham depositar aqui larvas, é urgente que se corte também, imperativo! Compreende a situação?
E assim, Omar cortou a palma da sua mão, seguindo-se um passou-bem fraternal.
Enquanto se preparavam para dormir, Omar no beliche cimeiro, Monsenhor Nikodim no de baixo, o segundo recordou-se:
- Tem consciência, do meu passado de furiosa toxicodependência, Omar?
- Tenho pois.
- Saiba também pois, que nesses terríveis anos da minha vida, contraí a síndrome de imunodeficiência adquirida.
- Lamento, o que posso fazer por si?
- Nada, só que, como partilhámos o mesmo sangue, aquando da união fraternal, acho que você também contraiu o maldito vírus.
- Vou morrer?
- Morrerá.
- Tal como você?
- Exactamente.
- E se nos suicidássemos?
- Excelente ideia.
E Omar foi buscar os comprimidos de cianeto, que se guardam sempre para estas ocasiões:
- Como os tomaremos?
- Com um cálice de vinho do Porto – Monsenhor Nikodim foi buscar a garrafa.
Trouxe também dois cálices, que encheu de néctar, fez sinal de estar pronto a Omar, e este distribuiu os comprimidos; gritaram: «À nossa», engolindo os primeiros com o vinho do Porto, faleceram momentos depois.