Urubu Cultural

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terça-feira, 26 de abril de 2011

Ordem de Compra

Eu sou todos os bebés recém-nascidos enterrados em pequenos caixões branquinhos, rodeados por lírios brancos (ouve-se no fundo esmaecido da alvorada música de órgão, ou cravo, um parente afastado do piano). Vocês são as mães. A matriz que alimenta as guerras entre os homens, e não podia ser doutra forma, ao serem mães estão a concretizar o papel que a natureza entregou relutantemente à fêmea, demasiado frágil para a tarefa. A mulher tem a opção de ser mãe, cumprindo assim o seu destino, a mãe é a mulher elevada ao seu expoente máximo.
O pai não.
Antes de ser pai, o mancebo deve fazer a guerra, cumprindo o seu destino na terra, só conseguindo igualar a mulher por breves segundos, a primeira contracção do parto são os poucos segundos que o soldado tem antes de ser atingido, pela primeira metralha da primeira batalha da guerra. A menina é a mãe, o menino é o soldado esventrado na última trincheira de La Lys.
Apita aqui,
         que eu ainda não morri!
Só sei cantar à noite, como o rouxinol do campo, demasiado ufano para que lhe interrompam a ária. Vou arear os pratos de esmalte made in china, atear os cordões à bolsa, distribuindo alegremente a riqueza por todos os pobrezinhos.
(Mete-te na tua vida, mantém-te na tepidez da tua vida, na linha recta média-morna da tua vida).
Acusa-te de crimes que não compensem, que os teus parentes hajam cometido; mexe-me nas compras do supermercado, desarruma-me as gavetas todas, observa silenciosamente as minhas fotografias guardadas num enorme saco de plástico, algumas de familiares que nunca conheci. Bate-me à porta e foge, martela-me pregos nas paredes, para depois pendurarmos quadros abstractos de comboios para Sagres. Couraçados iluminados invadem-nos a terra calmamente. A semente da discórdia cansa-se nos dias da memória oculta, das palavras espalhadas no mar dos sargaços, estende-me os braços, filha da madrugada, a tua ingenuidade será a fonte da minha salvação, pobre criança! A tua tranquila inocência é-me tão revigorante, galvanizadora espuma branca e fresca de uma onda magnífica, daquelas que te limpam na infância, de todo o pecado residual
Põe-me bombas nos vasos das flores, nos continentes de craveiras cor-de-rosa, afasta-te e sorri... enquanto eu expludo com garbo e donaire irritantes demais, para que continues a amansar a fera que te morde o lóbulo perfeito da orelha direita.
(Mete-te na tua vida, viva mandíbula de aço inoxidável).