Urubu Cultural

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sábado, 6 de março de 2010

A Bebedeira e o Poço Para Lá do Algo Mais


A bebedeira é uma curiosa amiga. Liberta-me, desinibe-me, abre as portas para as minhas
inconscientes vísceras. Igualmente dissimulada - a puta! Traz-me um sentido de liberdade, como
se me despisse de mim mesmo e da minha racionalidade. No entanto quando me vejo sozinho, e
o escuro da noite começa a comover; parece que me aperta e a escuridão em roedores de garras e dentes afiados - dá-me dentadas na mente, e as unhas bafientas vêem para me acariciar as têmporas. Como num lago de águas turvas e irreconhecíveis, de cores translúcidas e fosforescentes; É como se as águas se separassem e dessem lugar a um extenso portão invisível e com honras de Estado eu mesmo de lá saísse - a bebedeira, essa amiga e essa grande puta.
Quando me abraça sorridente de braço dado com o negrume da noite, parece que um céu de espelhos insiste em me capturar. De olhos entreabertos e com vontades de fugir, temeroso olho os reflexos. Um infindável poço sem fim anunciado - um gato tresmalhado e transparente - vejo-lhe as formas - as carnes, os ossos, os órgãos por detrás do pêlo frondoso e inexistente - o seu nome é Imediato e o poço é a sua moradia - caixas cubilares caiem não se sabe bem de onde rodopiando e caindo no fundo. O gato de pêlo invisível sorri e convida-me a entrar. Pergunto-lhe para onde vamos. Não me responde. Deixo-me cair, parece que estou a cair ininterruptamente - no entanto ao olhar ao fundo do poço vejo as caixas que os céus vociferaram. Transfiguram-se em mulheres, infinitas todas elas idênticas àquela que meus instintos e intelectos clamam. Juntam-se, muitas, bem mais que meus olhos podem contar e começam a copular em majestosos rituais sáficos, engolindo-se e seus corpos sugando-se - carnes de umas e de outras até que se tornem numa única - que nunca se conclui, pois são infinitas. É-me vedada passagem - a bebedeira essa dissimulada companheira que me abstrai da realidade, senta-se a meu lado com o gato a roçar-lhe nas pernas embriagadas. Serve-me um cálice de uma bebida de um espesso tom amarelado e brindamos. Que grande puta! Depois da euforia que levita da experiência fora de mim, devolve-me a um poço onde fantasia e desejo jazem diante mim, sem que do mesmo possa tomar parte. Bebo novo trago e novo brinde - causam-me elegias e orgiásticos prazeres aqueles fugazes momentos. A noite anuncia que está a chegar ao fim - o sono avisa-me que a bebedeira há-de pensar. E pela manhã quando despertar - a indiferença há-de dois beijos me dar e dever-nos-emos emaranhar.