Urubu Cultural

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terça-feira, 22 de março de 2011

O Incrível Triângulo das Bermudas Adelgaçantes

O cheiro a terra agarrada às malvas que me inflama as narinas é atroador, como a dor de sentir um bebé a voar de motorizada nas noites de caldeirada à lagareiro. «Lambareiro me saíste, traidor convencido da verdade, que se espalha numa praia enlameada…». Uma praia ocidental inglesa, lusitana.
Pauline foi ver sua mãe morta a Newcastle, sem se lembrar de todos os recados que me devia ter dado, antes mesmo de todas as lições de português haverem começado. «Canta o fado, oh Maldonado!». Sem que a maldição de mil obras-primas, desabe sobre teu cenho franzido, de meninos a fazer o pino de antemão, só com uma mão (coisa de que nunca fui capaz).
Ao medrarem as parreiras pela soleira da minha porta, vagueiam de auto-caravana: Jim and Claire, from Suid-Afrika, que está a transbordar pelas costuras de africanos; querem doce-fino, confeccionado por um menino aparvalhado.
Os cães não param de ladrar, o actor liberta notas líricas de seu aparelho vocal, pompoaristas convencidas desmancham construções de lego; ainda assim, o meu afecto continua intacto, sem que isso me leve a respirar de alívio, por uma só vez na vida curta, que uma anémona significa, alapada a uma rocha negra de calcário calcado por anos de sedimentação argêntea, que digo eu?! Diamantina, ou que sabe ainda? Caça-me na praia do teu desespero, oh filho do destino de teus energúmenos avós, pátria decente e mortal, rebaixamos hoje de novo, ante um poder imortal, cheirando a figos lampos, por esses campos da minha adolescência convalescente, numa piscina de metempsicoses a dançar o fado mortal, de bibe azul e sandálias azuis-de-infantário infame.
O cheiro das malvas volta a atormentar-me, sem que sequer considere a hipótese de me vir a levantar, e trocar de lugar. Lá fora, no pátio, os malucos berram e estrebucham, horripilados com a escassez do tabaco, que não baixa de preço nem que venha o diabo e tussa cuspo pelos queixos abaixo, numa manhã madrugadora de Abril, em que mil fadas mil, me fazem um funeral condigno de um militar ainda no activo. O meu camarada, com quem servi no ultramar, ainda…, volta a entoar uma nota grave, de barítono; e mexo nas estrelas do meu cabelo de esteta, e lambo selos de qualidade, que se aplicam com tranquilidade, nas tranças de uma moça que passa, de vestido, vaidosa e ufana (se está molhada, é porque sente desejo, um frémito horroroso nas coxas, que milhões de patriarcas quiseram calar, gritem o vosso desejo, vítimas da fome!).
O calor, na secretária onde escrevo a última epístola, antes de partir para Angola, é insuportável, (e se não houvessem havido abraços neste ponto de encontro?) ainda assim, continuo, continuo porque sou testemunha de vários crimes imberbes, contra a puberdade paquidérmica de Nelson, o ginasta rítmico portador de obesidade mórbida e trissomia vinte e um, pum pum pum, apesar de seu peso excessivo, foi declarado apto para cumprir o serviço militar obrigatório:
         - Quando me dá as crises, vou para casa.
Onde a mãe, Fátinha, lhe confecciona deliciosas tachadas de carne guisada, e pensar que começa tudo com um simples refogado…
         A minha vida é uma receita culinária em lume brando, que eu abrando propositadamente, sem nunca me entregar às mãos do pecado fascinado, e ao mesmo tempo fascizante, de mandar, em pé, numa desgraça terrível que se me afigura iminente.
         (pausa para fumar)
         Volto à carga como uma velha carga de cavalaria polaca, contra o exército moderno alemão, o que só me pode conduzir invariavelmente, à derrota lasciva de uma vida amortalhada, no despedaçar dos penhascos da vida desfeita de uma noiva de Cristo, bradando, que houvesse recebido o catecismo de um brâmane de aviário, no México ou no Chile.
          Os actores continuam a ensaiar, na exacta medida em que a minha raiva e desprezo, cresce por eles, são actores de teatro, essas putas de emoções humanas. Agora passou a dançarina italiana, diria que se chama Sveva ou Martelada Giacometti:
         - “Méti”, “méti” – diz ela, com ar folgazão, ao amigo especial que conheceu numa noite de verão, há muitos anos atrás, numa missão católica apostólica romana, no Chipre. O gordo maricas dança no primeiro andar, pavoneia-se, dança mais um bocado, tem ar de ser filho de emigrantes portugueses em França, que voltaram ao solo pátrio. Agora fala, num tom de voz exageradamente alto, com o vizinho atestadamente louco, que segura os lençóis cá em baixo (estão todos de fato-de-treino cinzento).