Urubu Cultural

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terça-feira, 8 de setembro de 2009

É preciso uma água das pedras para o espírito

Nos anos setenta, saiam vinte discos por dia; «Sabes quantos saem, hoje em dia?» - interroga o homem de constituição forte. «Hoje saem cem por dia». A sua interlocutora está admirada, a sua compleição também é forte. Daí a pouco, surge um casal homossexual que adoptou um bebé. Nas ruas os cavalos das caleches relincham: «Deus perdoa tudo, entrega-te a Jesus!» Um chofer de táxi, debate com o colega, a velha questão do átomo. Estão em uma praça muito animada.
Uma velha grita em russo, que lhe arrancaram a próstata à traição, precisa de fraldas urgentemente, pois urina involuntariamente na cinta de chita. Tem uma neta feia de cara, mas de corpo escultural, passeia-se pela avenida de biciclete-a-pedal, enquanto leio o jornal: «A guerra estalou ontem à tarde, pelas três e um quarto da tarde, teme-se elevado número de óbitos, começou a corrida ao armamento».
Os cães uivam em uníssono e olham-se de soslaio, assim que tomam conhecimento da guerra; vêm os chineses e levam os que conseguem apanhar. Pretendo ir jantar a um famoso restaurante da capital, que por sinal, também é oriental, mas não vou optar por ingerir cão.
Lucrécia, ao atravessar o deserto de Gobi, pensava em como a juventude está corrompida pela imagem. Foi Lucrécia Santana, que em mil novecentos e vinte e seis, me ensinou a ler e escrever. Dá a importância devida à palavra, embora os seus detractores, de tractor, digam que exagera. É a base do pensamento, é a base do pensamento, é a base do pensamento; argumenta, argutamente.
Recebo na minha caixa postal, um postal muito bonito dos fiordes da Suécia, onde está agora Lucrécia. Decidido a jogar uma partida de dominó, sem dó, mal me domino e faço de imediato o pino, contra a parede, sem rede de segurança, eis que alguém me afiança do perigo que isto representa. Posso partir o pescoço e não sou corso. Como Napoleão Bonaparte, que talvez a única parte boa que tinha, era cheirar nicotina, vulgo rapé. Já de pé, feito o pino, alicio um menino para que me vá comprar tabaco, não em pó mas enrolado, com a mestria das velhas cubanas. Urino numas canas, antes que seja tarde demais. Passa a rapariga, desta feita, insatisfeita, numa biciclete-sem-pedal, atrás dum pardal, ou de um estorninho, que caíra do ninho, atrás do prédio quarenta e um. Estaria a mentir, se dissesse que nunca fui ao Minho, fui e até vi um de maré moinho. Capturei eu o estorninho, que a neta da russa perseguia com afã, vou fritá-lo amanhã, ou quem sabe, confeccionar uma canjinha. É evidente a minha bocha de cerveja, parece uma grande cereja.

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