Urubu Cultural

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quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Poema sem fé

Era uma vez uma velha,
em pé,
a fumar rapé,
de pé.
A velha envolvia o rapé numa mortalha, e fumava-o de facto. Adorava fazê-lo.
Fazia-o sem parar, até que um dia, lhe apareceu à frente o oficial de serviço do quartel de Guimarães, cidade berço da nação, e lho proibiu:
- Remou-o eternamente na minha consciência, seu sacana do caralho bastardo – disse a velha.
Escandalizado, o oficial Mijan Aescada, mandou o seu ordenança ir buscar uma metralhadora, e fuzilar a velha. Ao invés, o ordenança, que era um bocado burro, trouxe-lhe uma vassoura, e o oficial de serviço teve que espancar a velha, até esta perecer totalmente.
Quando a velha já não respirava, o oficial aproximou do rosto da mesma, o seu espelhinho de verificar se os soldados estão efectivamente mortos, antes de irem a enterrar.
Para onde quer que olhe, vejo desgraça em toda a volta. Vejo o bicho-de-figo de muleta, ressequido pela bebida. Vejo o velho drogado, com as pernas inchadas. Vejo os velhos à porta da igreja, que lhes promete o céu. Vejo pessoas inconscientes, insuficientes. Respiro miséria, fumo demasiado. O que julgava ser um remédio para a loucura, apossou-se de mim; era isso ou ficar louco: das duas uma. Era voar eternamente no limbo purpúreo, para onde iam os bebés por baptizar. Sou o vaudeville do século vinte e um. Sou a hiena assassina, que sacrifica os teus desejos, num palco vazio. Sou o profeta da misericórdia, que tapa os olhos dos seus fiéis, com palas de taipa. Sou o anjo-do-desespero de Heiner Müller, sou o Maldoror, do Conde de Lautreámont, estas duas personagens, elas mesmas, piores que o Diabo em si.
São a maior torpeza que pode existir num espírito humano. IMAGINAR. Imaginar é ser um fruto que apodrece por dentro. Um marmelo com formigas no caroço:
- Foi bom para ti? – interroga-me uma voz no escuro.
- Não…, foi demasiado frio…
Apesar de as conas serem sítios quentes, onde apetece enfiar os dedos, as suas detentoras podem ser frias como um glaciar. Podem ser ocas como uma cabaça vazia. São cabaças com conas quentes. Mais nada.
Tenho o dedo dentro da sua cona, esta acolhe-o, aconchegante:
- Quem me dera morrer aqui, assim, com o dedo dentro de ti…
- Era bom – esgar de prazer – mas não pode ser, não posso morrer, apesar de suportar a tua morte.
A mágoa não se explica, sente-se.
Magoa demasiado.
É a casa de putas astronómica, que vomita palpites, ao mesmo tempo que lê a revista Máxima.
Uma cona é um edredão quentinho, que nos agasalha a alma. É tão bonito ter a alma agasalhada, que dá náuseas, e apetecer ir ver o Big Show Sic, com o João Baião aos pulos, com um cão-de-água do Algarve. Miríades de putas mágicas assaltam-me a imaginação num repente. São as filhas do poeta, que me fritam o destino; da distância incomensuravelmente infinita do primeiro.
Choro, choro no areal de uma praia deserta, choro de gravata, a cavalo num equino branco. Alvo como a farinha de trigo dos teus cabelos, velha engelhada, que já não tens vagina:
- Ó Tomás, não chores mais, que a mãe compra-te uma cigarreira sexual, de prata, que te dá educação. Não chores mais meu filho, deixa a tua mãe, a tua velha mãe, morrer em paz.
Come urro, nas noites de lua-nova. Comunico com deus, que me responde à dúvida premente da criação do Nada:
- O Nada, meu filho, é deus.
Grande coisa! Isso já eu sabia. Da boca, dos olhos, de todos os orifícios do meu corpo pequenino, saem moscas varejeiras, e uma vespa de um metro de comprimento. Cumprimento-a com dois beijinhos na sua face fulva, que exulta de pavor, por me beijar e não ter sabor, como os tigres da Malásia bravos, de resto, como todos os animais da Ásia.
Sou o vietcong do teu coração, Maria Teresa de Alcobaça. Não tenho cabeça e falo para o boneco. Um, dois, três. Gargalhadas intermitentes, quase insuportáveis. Só com lágrimas de sangue, as aguento, muito lentamente. Demasiado lentamente, de repente, num instante de churrasqueira. Apetece-me um churro, num instante de churrasqueira, que é o tempo que um frango frágil do aviário, leva a assar.
Sou assaz, fulgurante, fosforescente, adolescente que sofre de acne e solidão crónica.
É bom estar só. Imagina-se num caixão Inês Pessoa. Ela está só e não fica triste. Pedro Emanuel, levas esta campainha e, quando te sentires triste, toca-a, que eu venho logo te buscar. Uma lágrima de sangue manchou o veludo malva do caixão. Nunca se soube nada. Nunca se soube o que era o amor, nunca se soube o que era.

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