Urubu Cultural

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quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Morte da bibliotecária velha, e da minha (in)felicidade

Dez horas. É agora, morrerá a velha idosa (O que é a morte? É o término da vida). Viagens transcendentes, mundos incandescentes, o derradeiro esbracejo, em busca do último palpitar cardíaco... NÃO! Que a velha queria morrer! Era muito velha, «Mata-me querido...» dizia Carolina, «Mata-me querido... Amemo-nos na morte, na voluptuosidade do amor na morte... Quando eu estiver morta, contempla, por favor, os meus genitais engelhados, sabes...? É que eu ainda estou virgem, esperei por ti, para que me corrompesses finalmente, recusei todos os pretendentes, alguns, segundo me confessaram, amavam-me sinceramente».
Na escuridão envergonhada da minha gabardine, agarro a arma, o punhal, que sossegará Carolina. Abraço-a e, com um golpe ao coração, termino. Como é bela agora, que não pode procriar..., mas, atenção! Não pode procriar porque está morta. Carolina tinha noventa anos, em Maio, se o não estivesse, faria os noventa e um, mas ela podia ter filhos, se quisesse, e quantos quisesse. Fazia promessas a um deus..., ela dizia... (a mim não me dizia, dizia a quem a ouvia) que esse deus a conservava pura, e com o ventre ainda vivo, para esperar pelo derradeiro justo, que a merecesse.
(Que sou eu, e sempre acabei por surgir, o deus de Carolina tinha toda a razão.)
A criança nasceria certamente com diversas mazelas: físicas e mentais. Seria um idiota. Nada disso interessa agora, que Carolina faleceu, jaz morta em cima da sua secretária; dispo-a, da cintura para baixo e, com o cabo do punhal faço o que tenho a fazer, sem hesitar por um segundo, («Sonho com o seu regresso, agora que a matei, porém, reconheço que isso é apenas uma veleidade venérea»).
CORROMPI-A, pura e simplesmente. Ela sonhava com certeza, com o falo do seu paladino; teve propostas de amor verdadeiro, real, de homens que dariam as suas entranhas amorosas por ela, mas não! Esperou noventa anos por mim, eu! O escolhido, que foi precisamente quem mais a desiludiu..., penetrando-a com um frio cabo metálico. Como a vida é injusta, caramba (as lágrimas de arrependimento marejam-me os cílios, apressadamente).
A biblioteca está escura, longas filas de prateleiras, que se estendem pela divisão fora.O que será o amor, Carolina? É uma dor insuportável, que não dói? Que vem precisamente de dentro, do centro do interior do coração? Ou não?! Não faço a menor ideia, não fui capaz de te amar, dei-te nada, em troca de tudo, por isso, peço-te que me perdoes.

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