Urubu Cultural

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quarta-feira, 9 de setembro de 2009

O sapo de Beja

O sapo de Beja era sobejamente conhecido por, constantemente, proferir o seguinte adágio: «Cada matraquilho, no seu galho.».
Quando lhe perguntavam isto, as crianças emergiam subitamente do seu seio, derramando circunspectamente a caneca de madeira, jazente em cima da mesa de manufactura muito rústica. O tampo era feito de uma prancha só, de tatajuba. Tatajuba essa que, tinha proveniência brasileira; datava a mesma do século dezoito, século em que os antepassados do sapo de Beja, haviam feito fortuna, precisamente no Brasil.
O sapo de Beja não tinha nem uma pistola sequer, com que se defender dos perigosos vilões, que ameaçavam constantemente a sua propriedade. Estando na situação penosa e ingrata, de fidalgo caído em desgraça, devido às inefáveis voltas que a sorte dá ao curso do destino de cada um, o sapo de Beja resolveu pedir ajuda a um bem-feitor das proximidades, cristão-novo, que todos sabiam que, às escondidas, praticava a doutrina que dizia rejeitar.
Era esta caridosa alma, de quem o sapo de Beja se decidiu socorrer, nada mais, nada menos, que a pessoa de: Manuel dos Primeiros Socorros.
Num dia solarengo de Outono, o sapo de Beja surgiu à porta de Manuel dos Primeiros Socorros, a chorar, muito crente que este seria a solução dos seus problemas. O sapo de Beja, na sua ignorância, cria que o judaísmo professado às ocultas por Manuel dos Primeiros Socorros, seria a resposta para todos os seus problemas.
Manuel dos Primeiros Socorros, tinha o chão de sua casa, coberto por cinza de madeira de azinho, mais um factor que, para os supersticiosos, levantava a suspeita de pretensa prática de bruxaria, e/ou poderes místicos ocultos.
O sapo de Beja ajoelhou-se à porta de casa de Manuel dos Primeiros Socorros, este, vendo-se em tal situação, teve muita pena do sapo de Beja, e disse-lhe assim, com voz cava e oca, porém enternecida:
- Ao que vens, forasteiro? – apesar de o conhecer de vista, Manuel dos Primeiros Socorros tratou-o por forasteiro, de resto, como fazia com toda a gente, que se prostrava à sua porta, a chorar copiosamente e com compunção compulsiva. O sapo de Beja expunha-lhe os seus problemas:
- Oh! Místico Manuel dos Primeiros Socorros – ao ouvir a palavra místico, o cristão-novo franziu de imediato o cenho, já de si franzido, deixando o sapo de Beja continuar a sua explicação – os meus mastins já não me guardam a propriedade, estou à mercê dos salteadores e todos os bandidos, que tenham o intento de me saquear ferozmente.
Manuel dos Primeiros Socorros despediu o sapo de Beja, com um semblante grave, remetendo-o para o quartel local da G.N.R., a fim de expor os seus problemas ao capitão Américo.
O capitão Américo era um sujeito rude, de pouca civilidade, bebia muito vinho tinto, estava continuamente com a farda em desalinho, arrotava, peidava-se constantemente, também sofria de uma enorme seborreia capilar, que lhe conferia ao escalpe um aspecto por demais untuoso, a sua dentição e hálito eram também muito maus.
O sapo de Beja, assim que penetrou no gabinete do capitão Américo, ouviu logo um grande peido, ao princípio julgou tratar-se de um exercício de fogo, que a guarda nacional republicana estivesse a fazer no exterior, mas posteriormente, devido ao forte e desagradável odor que se fez sentir, na ambiência calma do gabinete do capitão Américo, depreendeu o sapo de Beja que seria uma flatulência, em demasia cheirosa. Dialogar com o capitão Américo, ou pelo menos tentar, revelou-se uma tarefa infrutífera, direi até, pois que, a cada lamúria ou lamento do sapo de Beja, o capitão Américo respondia, inexoravelmente, com sonoro arroto. Como sofria de mal du siécle, o sapo de Beja não conseguiu suportar aquilo por muito mais tempo, retirando-se, cabisbaixo e pesaroso, da sua má sorte ou azar, conforme sejamos optimistas ou pessimistas.
Numa noite, que de resto foi para esquecer, o sapo de Beja teve uma visão de São Gonçalo de Lagos, a pregar aos peixes na baía de Lagos, quer dizer, a pregar do cimo da ponta de nossa senhora da Piedade, para os peixes que o escutavam com muita atenção. Na manhã seguinte, foi o sapo de Beja à bruxa de Évora, que se chamava Susana e tinha uma criada para lhe descascar a fruta, especialmente os pêssegos, que preferia pouco maduros. Disse-lhe esta que o sonho era um dos premonitórios e que, se sonhou com Lagos, devia lá ir, a fim de descobrir o que é que o destino lhe tinha reservado.
O sapo de Beja, que não era tolo de todo, juntou um mais um, não sem antes desembolsar cinco contos para a bruxa, deduzindo que a resposta para a súbita morte dos seus mastins, devia estar em Lagos. Apanhou o comboio e veio cá ter, a esta linda cidade à beira-mar plantada, e que outrora foi capital do Algarve, com todas as suas lindas igrejas, em todo seu magnífico esplendor.
O sapo de Beja, da estação, foi logo direito à ponte que abre e fecha, atravessou-a e veio avenida abaixo, quando chegou às traseiras dos Paços do Concelho, ouviu um indivíduo exclamar para outro:
- Epá, tens os olhos muito amarelos, deves ter alguma cena no fígado.
Afirmação a que o seu camarada anuiu, com a seguinte frase:
- Deve ser uma cirrose do caraças pá, que s‘tou aqui a chocar.
O primeiro interlocutor, chegou então à seguinte conclusão:
- Epá, devíamos ir ao S.A.P.
O nosso amigo sapo de Beja, ouvindo isto, foi acometido do maior pânico alguma vez sentido por alguém, julgou ele que, os dois interlocutores, quereriam praticar pederastia consigo, por outras palavras, estava prestes a ser sodomizado, correu dali para fora que nem um doido varrido.
À meia-noite, dirigiu-se, bem mais calmo. Ao arco de São Gonçalo e lá lhe acendeu uma vela, para ver o que acontecia.

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