Urubu Cultural

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quarta-feira, 9 de setembro de 2009

O calvário de São João Baptista

São João Baptista, andava a pregar no deserto, porém, os pregos nunca ficavam seguros, devido ao constante movimento das dunas. Era este, muito ingrato exercício, ficando o santo-homem muito abatido.
Certo dia, foi tentado pelo Demónio Belzebu. Este, que era bem mariola, disse-lhe assim:
- São João Baptista, o registo civil, não reconhece o teu nome!
São João Baptista não cedeu à tentação, e ripostou:
- Que mentiroso me saíste, Belzebu!
E Belzebu, só teve tempo de lhe dizer assim:
- Não tens bilhete de identidade, pois não, São João Baptista?
O santo ajoelhou-se e rezou, reconhecendo que Belzebu tinha razão. Na manhã seguinte, iria ao registo civil, tratar dessa, agora pertinente questão.
Assim que bateram as seis horas no despertador de São João Baptista, este ergueu-se num pulo, vestindo o seu melhor fato-de-macaco, para ir à cidade. Na cidade, querendo-se fazer passar por citadino, (que falta de humildade!) sentou-se numa esplanada, pedindo ao empregado um “Sonasol de laranja”. O empregado, que também era brincalhão, pediu na copa, um “Sumol de limão”.
A todo o momento se esperava a intervenção divina, o toque mágico de deus. E assim aconteceu, o Sonasol transformou-se na deliciosa bebida refrigerante gaseificada, que todos nós apreciamos, nos dias quentes de verão.
São João Baptista não desconfiou, nem um pouco, da intervenção divina, continuando a agir, nesciamente, pretendendo ser o citadino que, de todo, não era.
Chegado ao registo civil, deu um murro violento no balcão, acorrendo de imediato a doutora Luísa Teixeira, para atendê-lo:
- O que deseja, seu malcriadão? – interrogou a douta senhora.
- Quero tratar do meu bilhete de identidade, com urgência, antes que Belzebu me tente, novamente.
A doutora, seguiu então os trâmites normais, procedendo a um questionário:
- Primeiro nome…?
- São. – disse o santo.
- São!? – estupefez-se a conservadora.
- Sim. – tornou São João Baptista – É como me chamo: São João Baptista, João da parte da mãe, Baptista da parte do pai.
- Mas São, é um nome feminino, segundo me parece, você é um homem.
- Sou homem, sim senhora, mas o conservador que me registou, era ambliope, e não ligou a isso.
- Mas eu vejo muito bem, e não lhe emito um bilhete de identidade, com um nome feminino, legalmente, o nome São, é o diminutivo de Conceição, entende?
São João Baptista, algo amofinado, fez que sim com a cabeça:
- Vá lá pensar num nome novo, e depois volte cá…, pode ser?
O agora inominável, anuiu, acto contínuo, retirando-se da conservatória do registo civil. Volvendo à esplanada, onde tomara o Sumol, lembrou-se do nome Estaline. Num pulo, alcançou satisfeito, novamente o tribunal, comunicando o novo nome, à doutora Luísa Teixeira, que não viu inconveniente de maior, e logo ali emitiu o bilhete de identidade.
No deserto, o agora Estaline João Baptista, esperou por nova aparição do Dianho. O filho da treva, reguila e travesso como era, só tentou Estaline João Baptista, um ano mais tarde, no mesmo sítio da outra vez:
- Então, santo sem bilhete de identidade, como tens passado?
Estaline João Baptista sorriu, triunfante, exibindo a Belzebu o documento, sem outras palavras.
Belzebu sorriu sardonicamente, e disse:
- Pobre néscio, não sabes que Baptista, já não se escreve com pê?

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