Urubu Cultural

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quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Maternidade


 Vítima dos fulgores e ecos da revolução, jaz morta no pestilento chão de uma fábrica em ruínas, uma mulher morta, grávida. Contudo o feto ainda sobrevive; quando escurece, abandona o ventre materno e amparado pela sombra, procura: restos, despojos e lixo. Há muito que as hienas e os cães vadios, repararam neste pequeno ser, rondam intermitentemente o cadáver de sua mãe, já lhe descarnando até os braços ou as pernas, bem como, partes da cabeça putrefacta. Apesar de tudo, o inchado ventre tépido ainda subsiste, resistente a todos os ataques e sevícias, de que já foi alvo.
Mereceu de facto esta mulher, a pena que lhe foi imputada?
 Será o sofrimento de alguém, merecedor da morte desta mulher?
 O seu crime foi prometer o amor a um homem, e entregar a vagina a outro.
 Correndo o risco de cair num lugar comum, posso alegar que são desconhecidas as razões do amor. Teria lá os seus motivos para fazer o que fez e, se o fez, foi porque sabia algo mais. Porém deveria ter esclarecido a sua situação, com o homem a quem prometeu desposar, antes de se entregar carnalmente a outro, como aconteceu.
 Seguiu o seu instinto, dirão uns, mas foi esta uma troca justa? Um momento de volúpia pela sua vida? E seu filho? Que espécie de existência esta mãe pouco previdente, lhe conferiu? Todas as noites, sair em busca de algumas sobras, para sossegar o pequeno estômago palpitante, e mesmo essas parcas, disputadas renhidamente com todos os animais e vadios dos arredores.
 O sonho do menino é ser engenheiro, ir todos os dias para a escola técnica de construção civil. Fantasia com delicados fatos de seda, camisas de cambraia. Neste preciso momento em que escrevo esta pequena nota, é de madrugada, gradualmente vai a lua cedendo lugar ao sol; está o menino a afastar os grandes lábios de sua mãe, para poder nascer ao contrário e descansar merecidamente.
 Na confortável matriz adormeceu, para além de todos os devaneios luxuosos, sonha agora também que recebe carinhos e afagos maternos, dolentemente estendido no regaço progenitor, enquanto a mãe lhe acaricia os imaculados caracóis. Todavia, o feto não chora.

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