Marlenne S., chamemos-lhe assim, era o arquétipo da jovem-mulher banal: boa rapariga, insonsa, assim-assim, sem sal, cujo único capricho era, os bailes de carnaval (não ia mascarada). Partilhava o sonho comum de todas as assíduas leitoras da revista: Menina e Moça, ser boa mãe e boa cristã; aprendiz de esthéticienne, cria que este ofício, lhe traria um bom amanhã.
Não deveria ter mais de seis aninhos, e a resposta à invariável pergunta, que se faz a estes anjinhos: «Então o que é que a menina quer ser, quando for crescida?», era imutável: «A Marlenne, quer ser esthéticienne!». Réplica que fazia sorrir os vizinhos, quando de dentro do seu soquete e sandália brancos, bem como de seus folhados vestidinhos, afirmava com convicção, sua pretensão à futura profissão.
Agora com vinte e cinco anos, apesar dos cabelos doirados, já não fazia sorrir ninguém, ficara com os dentes encavalitados, consequência do uso, demasiado prolongado, da chucha; a feição era também algo assimétrica, sua visagem antónima da estética. Seu diploma de esthéticienne, granjeou-lhe preste um posto laboral no: Salão Esperança, onde passou a arranjar as unhas de toda a vizinhança, e arredores. Nascera para ser esthéticienne, Marlenne.
Porém, como por vezes acontece na vida, a realização de um grande sonho, não basta para alcançar a felicidade prometida. Marlenne via, sem ponta de inveja, mas com alguma melancolia, que os namorados de todas as suas colegas do salão, as vinham esperar, à hora do serviço largar. Ela nunca havia conhecido esse bem, que é o amor. Quando aos domingos de tarde, tomava chá em casa das amigas, confessava, pesarosa, que também queria namorar, e que em lugar de coração, tinha um gatinho a chorar.
Certa noite, foi Marlenne a um baile de máscaras com suas companheiras e respectivos namorados, que não iam mascarados. Por haver, cozido de couve ter jantado, sentindo o aparelho digestivo algo embargado, deixou-se ficar de pé, perto de um jovem sentado. Sofrendo por não ter par, quedou-se lassa, vendo suas amigas na pista rodopiar e, como se não bastasse, decidiu seu esfíncter se manifestar, não se contendo, muda flatulência resolveu soltar. Embaraçada por sua incontinência, e podendo o jovem a seu lado, sua bufa vir a cheirar, logo começou a corar. Contudo, situação diversa se veio a verificar, levantando-se o garboso mancebo, convidou-a para dançar.
De brilhantina no cabelo, fato novo e bigode aparado, fez com que a partir daquele dia, a vida de Marlenne, conhecesse diverso fado. Atacando desde logo o fox-trot que ecoava pelo salão, ao ouvido da rapariga, depois de darem a mão, perguntou o moço:
- Qual é a sua graça? Se não é indiscrição…
- Marlenne, com dois enes… - disse com satisfação.
- Pois eu, chamo-me Douglas Miranda, e digo-lhe que suas bufas, cheiram a lavanda.
Por tão singular galanteio derretida, questionou a moça ao rapaz, o que fazia na vida:
- Sou perfumista de profissão, e acredite que com mais um peido seu, me roubará o coração!
E assim foi, Marlenne fez-lhe a vontade.
Trocando alianças no altar, seis meses mais tarde, para gáudio de Douglas, uma bufinha não deixou de dar.